No antigo Egito, o perfume era utilizado na forma de incenso ou preparado à base de óleos e gorduras. Embora a destilação pareça ter sido conhecida em partes do mundo antigo (2000 a.C), ainda não há provas de que tenha sido desenvolvida no Egito faraônico. Nessa área de estudo, muitas das fontes de informação são prescrições encontradas em papiros médicos (por ex., Papiro Ebers) ou nas paredes dos templos (Edfu e Philae) ou citadas por autores clássicos (Teofrasto, Plínio, Galeno). Também são utilizadas como fonte de pesquisa as representações hieroglíficas de atividades relacionadas à fabricação de perfumes nas paredes dos túmulos, recipientes de perfume e suas representações nas paredes de tumbas e templos, indicando o contexto em que o perfume foi usado; matérias-primas sobreviventes; substâncias preparadas sobreviventes e análises das mesmas; e sobrevivências nas práticas islâmicas e modernas. O que não deixa dúvidas é que os perfumes eram itens de luxo que movimentavam todo um comércio local, onde ingredientes dispendiosos eram importados, preparados e exportados, e há muitos exemplos deste tráfego que entrava e saía do Egito já em 2000 a.C.
Sobre os ingredientes
Ao avaliar os ingredientes que compõem as preparações perfumadas citadas nos textos ou representações antigas, o principal desafio encontrado pelos pesquisadores é de natureza lexicográfica. Muitos nomes de plantas permanecem não identificados e algumas designações podem ter mudado ou desenvolvido ao longo dos séculos.
Quando há traduções para o grego disponíveis, isto só é útil até certo ponto, pois os autores podem sugerir um ingrediente substituto ( em vez de uma tradução) para uma planta que talvez não estivesse disponível localmente. Ingredientes estrangeiros de natureza durável eram apreciados por sua raridade, e preparações de origem mais comum e efêmera (por exemplo, lótus) não parecem ter sido registrados com tanta frequência. Ao citar receitas tradicionais egípcias de aromas, os autores clássicos mencionam com frequência um pequeno número de ingredientes populares: incenso (olíbano) mirra, canela, cássia e cardamomo. Todos estes teriam sido importados pelos egípcios.
Há registros em templos do Império Novo (1538-525 a.C.) mencionando grandes carregamentos de olíbano e mirra. As especiarias teriam vindo em caravanas de lugares ainda mais distantes. As inscrições ptolomaicas especificam numerosas designações para gomas e resinas de acordo com a idade, cor, textura, etc. Outros ingredientes vegetais citados incluem íris, hena, zimbro, lírio, manjerona, hortelã, murta, grama do Chypre, aroeira e resina de pistache. Ocasionalmente, ingredientes minerais eram incluídos.
Os ingredientes básicos conhecidos para os incensos são passas e figos de sicômoro, mas as passas queimam facilmente sozinhas. Os ingredientes básicos disponíveis para perfume a serem aplicados no corpo incluiriam óleos de gergelim, rícino, balanos aegyptiaca, acácia branca e (em quantidade limitada e provavelmente importada) azeitonas e amêndoas. Nessa mistura, ainda eram adicionados gorduras de boi, ovelha ou galinha quando se queria produzir um unguento mais sólido.
A maioria das análises disponíveis do conteúdo de frascos de perfume são inadequadas e especificam somente “matéria gordurosa” como por exemplo nas análises das substâncias da tumba de Tutancâmon. Mas gradualmente, a aplicação de tecnologias modernas estão começando a ajudar. Amostras retiradas da múmia de Ramsés II foram submetidas à análise do pólen com resultados interessantes: o seu corpo tinha sido untado com óleo de camomila, tendo a flor crescido num campo com uma série de outras plantas que deixaram vestígios de pólen. Atualmente, pesquisas em andamento em laboratórios franceses (e em outros lugares) usando cromatografia, deverão fornecer mais detalhes sobre ingredientes e métodos de preparação.
Fabricação
Em se tratando de textos, a maioria das referências da fabricação de aromas egípcios data dos períodos ptolomaico e romano. Para extrair as propriedades das plantas e flores para serem adicionadas ao material base, os egípcios utilizavam maceração e fervura. Além da escolha dos ingredientes, acredita-se que a sequência e o momento eram cruciais, pois o ingrediente adicionado por último seria o mais picante. Alguns itens (por exemplo, raiz de orris) foram adicionados para unir os aromas ou realçar a fragrância (por exemplo, vinho doce adicionado à mirra), o que nos indica uma utilização de "pirâmide olfativa" já naquela época, onde as notas de topo sobressaem primeiro e as notas de base fornecem maior fixação ao perfume.
A maioria dos perfumes foi deixada em sua cor natural, embora as raízes de alkanet (Alkanna Tinctoria) pudesse ser usado para tingi-los de vermelho. Os detalhes da preparação dos perfumes estão disponíveis principalmente no templo ptolomaico de Edfu. Acredita-se que as instruções podem ter sido copiadas de um “Livro de Unguento” mencionado entre os livros da biblioteca guardados no templo de Dendera. Toda a operação poderia levar um ano, até dois, se fosse incluída a preparação do ingrediente base. Antes de prosseguir com os ingredientes principais, o óleo ou gordura "macerava" com a adição de ervas e especiarias. As receitas são meticulosas na especificação das quantidades, principalmente da redução que ocorreria durante o cozimento, que se feita corretamente teria um resultado final pré-calculado (geralmente 0,5 L). Os autores clássicos dão muitas instruções sobre a preparação de perfumes com referências frequentes às práticas egípcias. Esses aromas destinavam-se a clientes gregos ou romanos, e o perfume era um item de luxo e não necessariamente de uso sagrado.
O perfume pode ter sido importado do Egito a granel ou em frascos de vidro, encontrados em todo o Mediterrâneo. Também pode ter sido preparado “sob licença” a partir de ingredientes enviados - daí a necessidade de imprimir as receitas. Os delicados aromas florais tiveram que ser macerados diversas vezes (num procedimento "precursor" da tão famosa enfleurage). Em textos e anotações de Pedânio Dioscórides, autor greco-romano considerado o fundador da farmacognosia, para fazer um lote de perfume de lírio, era necessário 1000 lírios macerados por 24 horas em óleo de balanos condimentado. Depois de coar e desnatar, outros 1000 lírios seriam macerados neste óleo. Quanto mais vezes isso fosse repetido, mais forte seria o cheiro.
Tudo indica que a fabricação de perfumes deve ter sido uma indústria importante no Egito. No entanto, nenhum centro de produção parece ter sido descoberto e, ao contrário de outros ofícios, quase nunca foi incluído na decoração de túmulos.