O Carnaval, como o conhecemos hoje, tem raízes profundas nas festividades pagãs da Antiguidade, especialmente em celebrações voltadas para a renovação, a fertilidade e a inversão temporária da ordem social. Muitas dessas festividades compartilhavam elementos em comum com práticas da bruxaria tradicional e cultos antigos ligados à terra e ao ciclo das estações.

Origens Pagãs do Carnaval

O Carnaval foi introduzido inicialmente como um festival pagão no Antigo Egito, conhecido como Sham El-Nessim, para marcar o fim do inverno e celebrar o início da primavera. Na época, o inverno era visto como o domínio dos espíritos invernais, que precisavam ser afastados para permitir o retorno do verão. Assim, o Carnaval era considerado o primeiro festival primaveril do novo ano.

Na Roma Antiga, as Saturnálias e as Lupercálias eram celebrações marcadas por permissividade, máscaras e rituais de fertilidade. Durante as Saturnálias, as normas sociais eram subvertidas, os escravos tinham permissões para agir como seus senhores e as ruas se enchiam de festividades. As Lupercálias, por outro lado, eram rituais de purificação e fertilidade realizados em fevereiro, onde sacerdotes conhecidos como Luperci percorriam a cidade tocando as pessoas com tiras de pele de animais sacrificados, acreditando-se que isso traria prosperidade e fertilidade.

Na Grécia, as Dionisíacas e as festas em honra a Baco (equivalente romano de Dionísio) também incorporavam máscaras, dança frenética e celebração da embriaguez sagrada, refletindo a ideia da libertação do espírito através da folia e da conexão com o divino.

Durante a Idade Média, a Festa dos Tolos (Feast of Fools) foi um festival popular na Europa. Durante essa celebração, um bispo falso era eleito, e autoridades de diferentes classes sociais trocavam de papéis. As pessoas usavam máscaras de animais e roupas femininas, cantavam canções obscenas, faziam discursos sem sentido e corriam desordenadamente pelas ruas. A Festa dos Tolos foi abolida no século XVI, mas as tradições de sátira e ridículo permaneceram como um traço marcante de muitos carnavais modernos.

Muitos anos depois, o festival pagão foi difundido com um significado cristão e tornou-se o "Carnevale". "Carne" significa carne, e "Vale" significa adeus (em latim). Na Itália do século XVIII, as pessoas que se preparavam para abrir mão de certos prazeres durante a Quaresma gostavam de se vestir e se disfarçar para se divertir! Um dos temas mais populares para fantasias baseava-se na Commedia dell’Arte, com personagens como Pierrot e Arlequim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bruxaria Tradicional e o Espírito do Carnaval

Na bruxaria tradicional, festividades que envolvem máscaras e danças ritualísticas são frequentemente associadas a ritos de transformação, invocação de espíritos e práticas extáticas. A ideia de esconder a identidade sob uma máscara remonta a antigas práticas xamânicas e cultos animistas, onde os participantes canalizavam energias de divindades, ancestrais ou espíritos da natureza.

O Carnaval também coincide com um período de transição entre o inverno e a primavera em muitas culturas do hemisfério norte, um momento em que ritos de fertilidade e renovação eram praticados para assegurar um ciclo agrícola próspero. Para tradições de bruxaria ligadas à terra, como as praticadas na Europa medieval, esse era um tempo de festivais comunitários que muitas vezes foram condenados pela Igreja, mas que tinham raízes profundas em crenças ancestrais.

Máscaras, Transgressão e Magia

O uso de máscaras no Carnaval não apenas remete aos festivais pagãos, mas também se liga a conceitos mágicos. Em muitas tradições ocultistas e de bruxaria, a máscara é um instrumento de poder, permitindo ao usuário assumir simbolicamente outra identidade ou se conectar com forças além do eu cotidiano. Esse princípio pode ser visto no uso de máscaras em rituais de possessão e nas danças das bruxas, onde a música e o transe desempenham papel fundamental.

Além disso, o espírito de inversão e liberdade do Carnaval se assemelha a certas práticas da bruxaria tradicional, onde a quebra temporária das normas serve como um mecanismo de renovação espiritual e social. O caos gerado pela celebração pode ser visto como uma forma de destruição criativa, necessária para que uma nova ordem possa emergir.

Carnaval e os Sabás das Bruxas

Embora o Carnaval não esteja diretamente ligado a um dos oito sabás da Roda do Ano, sua natureza festiva e seu momento no calendário se alinham com o Imbolc e a preparação para o Equinócio da Primavera (Ostara). Em algumas tradições, ele pode ser visto como um eco de antigos festivais agrários, onde o riso, a dança e a transgressão eram formas de alinhar o humano ao divino e assegurar a continuidade da vida.

Dessa forma, o Carnaval pode ser entendido como um resquício de antigas celebrações pagãs, adaptado ao longo do tempo e absorvido por diferentes culturas, mas ainda carregado de simbolismo mágico e ritualístico. Para aqueles que seguem caminhos espirituais ligados à bruxaria tradicional, essa festividade pode ser vista como um período propício para trabalhos de transformação, celebração da liberdade e conexão com arquétipos de festa, loucura e renovação.

Algumas referências sobre o assunto:

 

  • FRAZER, James George. O Ramo de Ouro: um estudo sobre magia e religião. São Paulo: Editora Vozes, 2018.

  • HUTTON, Ronald. The Stations of the Sun: A History of the Ritual Year in Britain. Oxford: Oxford University Press, 1996.

  • GÁL, Edit. Carnival and Other Seasonal Festivals: Pagan Rituals in the Christian Calendar. London: Routledge, 2010.

  • GONZÁLEZ-WIPPLER, Migene. O Poder da Bruxa: a terra, a lua e o caminho mágico feminino. São Paulo: Pensamento, 2012.

  • GUÉNON, René. O Esoterismo de Dante. São Paulo: Editora Madras, 2001.

  • BINSKI, Paul. Medieval Death: Ritual and Representation. London: British Museum Press, 1996.

  • YATES, Frances A. The Art of Memory. London: Routledge & Kegan Paul, 1966.